quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Cine Belas Artes, um avanço fundamental
A reabertura de um cinema de rua simboliza a reversão do processo de abandono do espaço público, um passo rumo a uma cidade mais humana

Sem a mobilização, a persistência e a capacidade de diálogo do Movimento Cine Belas Artes (MBA), não estaríamos hoje às vésperas de comemorar a histórica reabertura do cinema, em São Paulo.

Há três anos, quando publiquei, neste mesmo espaço, o artigo "Não deixe o cine Belas Artes fechar" (12/1/2011), muitos disseram que a batalha estava perdida, que os cinemas de rua estavam morrendo e que a vida era assim mesmo, que "a força da grana destrói coisas belas".

Essa história mostra que podemos reverter o "curso natural" das coisas. Mesmo sem o cinema (fechado em março de 2011), o MBA resistiu graças à sua extraordinária liderança, que combinou mobilização social com diálogo permanente junto aos órgãos de preservação, Judiciário e Legislativo, promoveu a abertura de processos de tombamento, CPI na Câmara Municipal, audiências na Assembleia Legislativa, propostas para o Plano Diretor Estratégico da cidade e abaixo-assinados.

Em um persistente diálogo com os atores envolvidos, o MBA conseguiu impedir que o prédio da rua da Consolação se transformasse em um estabelecimento comercial e mantiveram a luz acesa no final de um túnel escuro. A chama foi fundamental para que, a partir do início de 2013, na conjuntura criada pela eleição de Fernando Haddad (PT-SP), a Prefeitura de São Paulo pudesse pavimentar o difícil caminho que viabiliza agora a reabertura do cinema.

Sob a coordenação das secretarias municipais de Cultura e de Desenvolvimento Econômico, buscou-se uma solução que não gerasse custos para a prefeitura, garantisse um cinema com programação e processo de gestão diferenciados e contribuísse para a nova etapa do audiovisual em São Paulo, com a criação da SP Cine e a reabertura dos cinemas de rua.

Um verdadeiro presente de aniversário, a reabertura do Belas Artes não deve ser entendida como o ponto de chegada dessa luta, mas uma referência para o avanço na criação de mecanismos de proteção para os espaços culturais da cidade. Ao longo desses três anos, amadureceu a tese de que São Paulo precisa se proteger da valorização imobiliária, preservando lugares significativos inscritos como patrimônio imaterial, espaços de acesso público relevantes como teatros, cinema, bares e restaurantes.

Sem esses lugares, a cidade perde sua memória, seus pontos de encontro e sociabilidade. Fica sem referências. Foi esse o nosso sentimento quando o cinema fechou, interrompendo uma inovadora forma de se relacionar com o público, que incluía o "noitão" --sessões madrugada adentro com filmes surpresa, café da manhã e alguma paquera.

Deveremos acolher no substitutivo do Plano Diretor propostas sugeridas pelo Movimento Cine Belas Artes no processo participativo promovido pela Câmara Municipal, como instrumentos de proteção legal para os lugares representativos na cidade e a criação de um corredor ligando os diversos espaços culturais localizados entre a avenida Paulista e o centro.

Esses lugares são fundamentais para a ocupação do espaço público, elemento que dá vida e segurança à cidade. Eles precisam ser estimulados pelo poder público com mecanismos como a lei nº 13.712, de minha autoria, que dá incentivos fiscais aos cinemas de rua, articulados a um programa de ampliação do acesso ao audiovisual, priorizando jovens e idosos de baixa renda.

Embora possa parecer um evento na contramão da história, a reabertura de um cinema de rua simboliza a reversão de um processo de abandono do espaço público na cidade. Está coerente com a proposta do novo Plano Diretor, que valoriza os serviços e comércio de rua. Por isso, o novo Belas Artes não é um evento isolado, mas uma pedra importante na construção de uma cidade mais humana.

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