quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Cultura: caminhos para resgatar o Belas Artes


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Uma das manifestações do Movimento pelo Belas Artes (MBA), realizada em janeiro de 2011.

Defensores do cinema abrem diálogo com prefeitura de São Paulo e já fazem planos para espaço cultural que marcou cidade por décadas

Por Bruna Bernacchio

Uma batalha cultural destacada, mas que parecia até há pouco perdida, está ressurgindo. Em São Paulo, o Cine Belas Artes, que por décadas fez parte da cena artística paulistana, e esteve a ponto de se reduzir a loja de departamentos, pode renascer em forma de centro multicultural. O Movimento pelo Belas Artes (MBA), que lutou durante todo o ano de 2011 pela preservação do cinema, começa a criar um imaginário mais concreto de como poderia ser esse renascimento.
A possibilidade de voltar a sonhar com a ressurreição do Belas Artes surgiu nos primeiros dias do governo Fernando Haddad. Já em 1º de janeiro, quando tomou posse o novo prefeito, o movimento entregou ao novo secretário de Cultura, Juca Ferreira, uma carta reivindicando reativá-lo. Ao contrário de seus antecessores, Juca mostrou-se de imediato disposto ao diálogo e à reabertura das salas. O contato se fortaleceu com o apoio de Nabil Bonduki, vereador recém-eleito (PT), e Eliseu Gabriel (PSB), que naquele dia tornava-se secretário do Trabalho e Empreendedorismo. Presidente da CPI do Belas Artes, Eliseu entregou na última segunda-feira o relatório final do inquérito, que propõe a declaração da utilidade pública do imóvel, a requalificação urbana da área no entorno, entre outras medidas.



Histórico da luta
Construído em 1943, o prédio funcionou como um cinema, Trianon, antes de se tornar o Belas Artes. Em 1967, graças à Sociedade Amigos da Cinemateca (SAC), em parceria com a antiga companhia cinematográfica Serrador, passou a “ser mais do que um mero exibidor de filmes, atuando como formador de público, por meio de mostras, cursos, debates e de uma programação que valorizasse a diversidade cultural, com produções de boa qualidade de diferentes partes do mundo e destaque para o cinema brasileiro”, conta o jornalista e historiador Beto Gonçalves, um dos coordenadores do movimento.
Em 2003, o empresário e diretor de cinema André Sturm assumiu a programação das salas, em sociedade com o produtor e cineasta Fernando Meirelles, diretor do consagrado “Cidade de Deus”. Foi quando o cinema passou a receber patrocínio do Banco HSBC. Em 2010, porém, o proprietário do imóvel, Flávio Maluf, solicitou um aumento do aluguel de quase o dobro e, mesmo Sturm conseguindo outro patrocínio (não revelado publicamente até hoje), não fora possível cobrir a exigência do dono. O sustento do cinema foi se tornando cada vez mais difícil, até Sturm anunciar publicamente seu fechamento, em janeiro de 2011.
Cinéfilos e frequentadores, articulados, realizaram três passeatas no mesmo mês, exigindo do governo apoio para manter o patrimônio cultural da cidade. O interesse da sociedade na conservação do cinema ficou claro – a última edição do tradicional evento “Noitão” do Belas Artes foi repetida três vezes, devido ao grande sucesso.
Após o fechamento, culminado no dia 17 de março, começou a luta na Justiça. O movimento entrou com processos para tombamento do cinema em três órgãos de proteção do patrimônio — Conpresp (municipal), Condephaat (estadual) e Iphan (federal). Não obteve êxito, mas o promotor Washington Lincoln de Assis recorreu, apontando irregularidades nas análises. Em dezembro de 2011, a Justiça concedeu liminar, “congelando” o edifício, e determinando a reabertura dos processos. Ao fazê-lo, o Condephaat deliberou o tombamento da fachada do imóvel, em outubro de 2012. Desde março daquele ano, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) aberta pela Câmara dos Vereadores investigava o processo do Conpresp.
Enquanto isso, o movimento chamou uma série de audiências públicas na Câmara Municipal e na Assembleia Legislativa. Convidado por diversas vezes a participar dos diálogos, o proprietário Flávio Maluf nunca respondeu ou compareceu.
Aos poucos, intervenções em frente ao cinema — como leituras dramáticas e lavagem da calçada –, a exibição de documentários, encontros e debates na Casa da Cidade e Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), deram visibilidade e legitimidade à causa. Um manifesto em favor do cinema, que circulou na internet, teve apoio de cerca de 130 mil pessoas — entre elas, o atual prefeito Fernando Haddad, Zé Celso Martinez Corrêa, Danilo Miranda, Cao Hamburguer e Zuenir Ventura.
Reconstruindo o imaginário
Após as manifestações da prefeitura, os articuladores do movimento preparam-se para uma nova etapa. Confiam na abertura de um diálogo direto com o governo. Uma primeira reunião com os secretários de Cultura e Trabalho está marcada para o dia 17. Os defensores do cinema querem levar propostas concretas.
Sua intenção principal é reformar as antigas salas de cinema, retomando a função original de exibir filmes brasileiros, de arte, documentários, animações e curtas-metragens. Além disso, enxerga-se seu possível uso como salas de espetáculo e espaço de visitas e formação escolar. Quem sabe, resgatar a aura clássica de quando foi inaugurado, imagina Eliane Manfre, turismóloga, uma das principais articuladoras do movimento. Apropriar-se da experiência bem sucedida de retomada dos cinemas de rua Cine Jóia e Paissandu, no Rio de Janeiro, com o conceito de sala multiuso. “Que tenha uma livraria (a lendária livraria Belas Artes funcionou por 15 anos), um café, como centro de convivência, sala de exposições, auditório para debates e cursos, como previa o projeto original de 1967 dos empresários Florentino Llorente e Dante Ancona López”, sugere o escritor e historiador Afonso Jr, outro membro importante do movimento.
Eliane também defende a criação de um conselho, por meio do qual setores da sociedade civil possam influenciar nos rumos de um novo Belas Artes. Imagina que, além do financiamento do público e dos governos, a iniciativa privada possa ajudar a tornar o espaço sustentável financeiramente. Para resgatar a ideia, perdida em meio à tanta especulação imobiliária, de que nossos patrimônios materiais e principalmente imateriais precisam ser conservados ao andar dos tempos. Sem deixar que interesses pessoais e financeiros de pequenos grupos desfoquem a essência da questão, que faz parte, na verdade, de um debate muito maior: o dever do governo de atender às demanda da sociedade, que quer mais cultura, espaços de convivência, e está ocupando a rua.

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